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À Descoberta da Matemática na Investigação em Biomedicina
by AETCF - Tuesday, 21 April 2015, 2:03 PM
 

O final do ensino secundário e a escolha do curso a frequentar no ensino superior representa um desafio singular na vida de um jovem, muitas vezes dificultado pelo desconhecimento da abrangência de conhecimentos aplicáveis nas diversas áreas profissionais. O processo torna-se ainda mais complicado pela falta de emprego generalizada que se verifica, mas que assume maior relevo em áreas de estudo específicas como é o caso das Ciências da Vida.

Com o tema “À Descoberta da Matemática na Investigação em Biomedicina” foi concebido um projeto pela Doutora Raquel Andrade, do Centro de Investigação em Ciências Biomédicas (CBMR) e Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina (DCBM) – Universidade do Algarve com a colaboração da professora de Matemática, Zaida Roque, do Agrupamento de Escolas Cândido de Figueiredo – Escola Secundária/3 de Molelos – Tondela, com o intuito de dar a conhecer aos alunos a realidade da investigação científica na área da Biomedicina, o seu dia-a-dia, as opções de vida que comtempla e, sobretudo, a interdisciplinaridade dos investigadores que a executam. Em particular, o projeto dá relevo à importância da Matemática neste contexto, através do contato direto com investigadores que se dedicam às áreas da Bioinformática e Modelação Computacional de processos biológicos.

Este projeto foi objeto de um protocolo entre a Agrupamento de Escolas Cândido de Figueiredo – Escola Secundária/3 de Molelos – Tondela e o Centro de Investigação em Ciências Biomédicas (CBMR) e Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina (DCBM) – Universidade do Algarve.

O projeto teve como dois objetivos nucleares: proporcionar aos alunos participantes uma vivência em laboratório de investigação, com a realização de um mini-projeto científico e evidenciar a aplicação de conceitos e metodologias da área científica da Matemática na investigação em Biomedicina.

O projeto revestiu-se de caráter meramente formativo e realizou-se na semana de 23 a 27 de março nas instalações do CBMR e DCBM da Universidade do Algarve, tendo como alunos participantes da Escola Secundária/3 de Molelos, Beatriz Vieira, Raquel Inácio e Sara Silva do décimo segundo ano e Silvana Miroto que concluiu no ano letivo transato o ensino secundário na mesma Escola. Participou ainda o aluno do 10º ano, Miguel Roque, do Agrupamento de Escolas de Santa Comba Dão.

Enquadramento Científico:

 

Durante o desenvolvimento embrionário uma única célula dá origem a um indivíduo autónomo através de uma série de mecanismos complexos, estritamente coordenados no tempo e no espaço. O tempo necessário para o desenvolvimento embrionário é extraordinariamente conservado, assim como a ordem pela qual cada estrutura e respectiva função é estabelecida. Mas, como é que as células sabem quanto tempo já passou? Como é que as células sabem onde estão no corpo? Como é que as células sabem se devem diferenciar-se num olho, num osso da perna ou no coração? Como é possível responder a estas questões sem manipular embriões humanos?

A coluna vertebral é formada durante o desenvolvimento embrionário a partir de estruturas precursoras chamadas sómitos. Estas formam-se aos pares, progressivamente ao longo do corpo, de cima para baixo, sendo que os sómitos que dão origem às vértebras superiores se formam mais cedo do que os que darão origem às vértebras mais posteriores. Assim, o controlo do tempo de formação de cada sómito é um aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma coluna vertebral saudável. O tempo de formação de cada par de sómitos é constante e característico de cada espécie. Por exemplo, cada par de sómitos demora 90min para se formar no embrião da galinha, 20min no peixe, 120min no ratinho e 4-6h no humano. Graças a esta ritmicidade na formação de estruturas morfológicas de fácil visualização, o processo da somitogénese é um excelente modelo para abordar experimentalmente a questão de quais os mecanismos moleculares que operam no controlo temporal do desenvolvimento embrionário.

Pretendeu-se que as seguintes questões fossem exploradas pelos alunos:

  • Que genes e proteínas participam no controlo temporal da somitogénese?
  • Qual a dinâmica de expressão destes genes (como/quanto é que a sua expressão varia no tempo);
  • O que acontece quando há alterações à expressão destes genes?
  • É possível prever isto sem ter que efectuar experiências no laboratório?

 

A abordagem contou com três vertentes:

  • Laboratorial com a Doutora Raquel P. Andrade, Investigadora (CBMR) e Professora Auxiliar (DCBM) da Universidade do Algarve;
  • Bioinformática  com a Investigadora (CBMR), Dra. Isabel Duarte;
  • Matemática Computacional com o Investigador (CBMR), Dr. Ramiro Magno.

 

Ao todo, os alunos completaram uma formação, correspondendo a 40 horas presenciais (10 horas teóricas e 30 horas práticas). Foram abordados os seguintes temas: mecanismos moleculares no desenvolvimento embrionário, modelação matemática de sistemas biológicos, ferramentas bioinformáticas para análise de dados experimentais. Na componente prática foi abordada a manipulação de embriões de galinha, a sobre-expressão de genes recorrendo a vectores de expressão, a quantificação de ácidos nucleicos por espectrofotometria, visualização de ácidos nuceleicos por electroforese em gel de agarose, quantificação de mRNA por RT-qPCR (reverse transcriptase quantitative polymerase chain reaction), análise de dados de qPCR pelo método Delta Cq e pesquisa e comparação de sequências biológicas in silico.

 

Testemunho das alunas participantes da Escola Secundária de Molelos:

“Superando as expetativas, a primeira semana das nossas férias foi enriquecedora a todo e qualquer nível. Ultrapassado o cansaço da longa viagem de comboio, entrámos no mundo da ciência na Universidade de Faro, onde nos foi dada a possibilidade de ficarmos a conhecer as primeiras fases da vida animal. Sob a orientação da Doutora Raquel Andrade e dos investigadores Isabel Duarte e Ramiro Magno, passámos cinco dias a descobrir os segredos do desenvolvimento embrionário da galinha.

            Desde a extração de embriões a partir de ovos de galinha, tarefa complicada, passando pela introdução de diferentes sondas nos embriões já preparados, até à sua observação ao microscópio, acompanhámos o dia-a-dia dos cientistas na área da Bioquímica, que começava das 9 horas da manhã e terminava por volta das 7 horas da tarde, todos os dias. Os laboratórios estavam abertos toda a noite, mas a cidade de Faro competia com eles e a nossa opção tendia para a diversão no fim de um dia de trabalho (Two Beer or not Two Beer, bar local que oferecia música à descrição e concertos exclusivos)!

            Aprendemos, com a Doutora Raquel e a Mestre Ana Gonçalves, técnicas como a hibridação in situ e o PCR (reação de polimerização em cadeia), assistimos a palestras em português e em inglês (tanto umas como outras ultrapassavam a nossa compreensão!), conhecemos, com a ajuda da Mestre Isabel, várias bases de dados biológicos, onde milhões de genes estão catalogados, e, acompanhados pelo Mestre Ramiro, (depois de almoços bem servidos na cantina), modelamos matematicamente uma das experiências que desenvolvemos durante a semana e aprendemos muitas outras ferramentas que ligam a Matemática à Biologia e que permitem fazer previsões de dados laboratoriais sem ter de se recorrer à experiência.

            A pequena descoberta que nos foi permitida, talvez por ter sido relacionada com o início de algumas vidas, despertou em nós a curiosidade necessária para futuros cientistas bem como a consciência do trabalho árduo a realizar e da grande dedicação para conseguir resultados bem fundamentados e sucesso no caminho da ciência e a consciência de que nem todos os problemas têm de ter uma resposta, pelo menos com as ferramentas que a ciência atualmente possui.

            A experiência foi, enfim,… indescritível. Por muitos adjetivos que se usem para a caraterizar, nenhum deles descreve de maneira “cientificamente correta” a vivência próxima de um mundo oculto aos olhos à maioria das pessoas, que não estão a par da qualidade da ciência nas universidades portuguesas, nem de muitos dos seus atuais e possíveis progressos.

            Estamos todos imensamente gratos pela oportunidade que, em primeiro lugar, a professora Zaida Roque nos ofereceu e, claro, também toda a incansável equipa de cientistas da da Universidade de Faro, que foi excecionalmente paciente e extrovertida connosco! E, como não podia deixar de ser, um obrigado ao Agrupamento de Escolas Cândido Figueiredo. Foi também graças à nossa escola que nós pudemos disfrutar de sete dias de pura ciência e diversão! Obrigado a todos!”